Publicado em 01/03/2021 às 17:22h
Vivenciamos um período de poderosas mudanças impulsionadas, nos últimos anos, por uma nova revolução tecnológica, em que há o fortalecimento da economia de intermediação on line de serviços e bens, a denominada economia do compartilhamento, que abrange uma série de negócios, que possuem como elemento comum a utilização de uma plataforma on line para combinar oferta e demanda. E a economia baseada na utilização das plataformas digitais para compartilhamento determinou a reformulação da produção, do consumo, do modo como nos comunicamos, remodelando o contexto econômico, social, cultural e humano em que vivemos. As plataformas permitem a reorganização e fragmentação das tarefas, facilitam a prestação de serviços, diminuem custos e aumentam a concorrência.
No campo das relações de trabalho a economia compartilhada não vem sendo diferente. Ela permite que pessoas (trabalhadores) disponibilizem a sua força de trabalho para tarefas específicas, que são demandadas por um indivíduo, requerente ou grupo e administradas pela plataforma digital (intermediadora). As plataformas atuam nas mais diversas áreas, não apenas as clássicas como as de transporte de passageiros e de entrega, mas de negócios diversos e variados (ex. ensino, traduções, turismo). Elas mantem regras para a execução e solicitação das atividades, bem como de comportamento dos trabalhadores e requerentes, estabelecem formas de pagamento dos serviços, mantendo uma credibilidade e imagem que pode fomentar ainda mais o número das demandas solicitadas. Oferecem o serviço, muitas vezes, sem uma personificação daquele que entrega a sua mão de obra, a coletividade de trabalhadores, que possuem uma média de comportamento e padrão na execução das tarefas contratadas.
Dentro desse novo mundo, da nova realidade, temos uma nova figura nas relações de trabalho, o denominado crowdworker, uma multidão heterogênea. São trabalhadores que possuem uma flexibilidade que caminha de acordo com a demanda de mercado on line e não com o horário de funcionamento da empresa, afastando-se do conceito de subordinação clássica de uma relação de emprego. Eles obedecem a regramentos trazidos pela plataforma e são constantemente avaliados pelos solicitantes, seus resultados aparecem estatisticamente, coletivamente, não há homogeneidade de categoria.
E a partir do novo contexto, se questiona se essa categoria de trabalhadores possui relação de emprego com as plataformas ou não, se estamos diante de uma nova relação jurídica e, se sim, qual é a proteção mínima que se deve dar a essas pessoas quanto às condições de trabalho, remuneração e quem é o responsável por essa proteção, a plataforma, ainda que não empregadora, o estado? É uma recente realidade e é necessária a adequação do Direito do Trabalho a ela. É uma discussão mundial!! Trata-se de uma relação diversa da até agora estudada e, portanto, é necessária a criação de novas leis, normas, regulamentações que venham a tratar dessas relações. Deve existir o mínimo de proteção para esses trabalhadores, sem que a rigidez legislativa fulmine a essência, a natureza flexível dessas relações.
A realidade atual nos conduz a entender que esses trabalhadores estão em uma chamada zona cinzenta. Zona intermediária, que está entre o empregado clássico e o trabalhador sem vínculo de emprego. Não há lei que os defina como autônomos, mas também não é possível assegurar a sua aderência integral ao conceito clássico de empregado.
E se não há lei, nós assistimos o Judiciário se manifestando. As decisões em todo o mundo envolvendo os trabalhadores nas plataformas são oscilantes e diversas, o que traduz que ainda há uma reflexão por parte de toda a sociedade sobre essa nova relação de trabalho! No Brasil, por exemplo, há decisões que reconhecem o vínculo de emprego e outras que não. Há diversas ações com esse tema, tanto individuais, quanto públicas. Em Portugal, há a presunção da laboralidade, até que prova em contrário seja feita. Há forte discussão do tema no campo das plataformas de transporte, tendo como base a Lei 45/2018 que coloca uma terceira entidade de permeio entre as plataformas e os motoristas, o operador TVDE. Outros países também apresentam o mesmo comportamento, a evidência de que tais trabalhadores precisam de um olhar especial.
O que há é um consenso mundial que indica que alguma proteção precisa ser garantida pelas plataformas digitais aos trabalhadores que estão envolvidos na realização de atividades por ela intermediadas, garantindo-se direitos e tutelas fundamentais, ainda que não decorrentes de uma relação de emprego, como o apoio na proteção da assistência social estatal. Há consenso, igualmente, de que o estado deve e pode cooperar nesse subsídio de benefícios. E mais além: a auto-organização e agrupamento desses trabalhadores é indicativo positivo, a fim de que possam negociar benefícios em grupo, tais como seguros e empréstimos, permissão ao acesso ao seguro contra acidentes e doenças (proteção previdenciária), remuneração mínima, boas condições de trabalho, até o estudo e a busca de legislação contra jornadas excessivas, por exemplo.
Infere-se dentro de todo o contexto colocado, que essas novas relações de trabalho precisam ser bem construídas, desde a formação das relações interpessoais requerentes, plataformas e trabalhadores, baseada em bons princípios, na ética, no equilíbrio, até a sua formalização, por meio de contratos formais elaborados por especialistas jurídicos, a partir da realidade contratual, qualquer que seja a sua natureza, em consonância com a base legal e atual, frente a esse novo normal.
*Adriana Adani e Maria Renata Carvalho, sócias do Adani e Carvalho Advogados, escritório associado à Câmara Portuguesa de Comércio | Bahia